quarta-feira, 11 de março de 2009

Leia e reflita

Sobre pais e filhos

Lya Luft

"Por que as crianças hoje são tão malcriadas e os adolescentes tão agressivos?"
A
pergunta mexeu com todos. Alguns aplaudiram, outros deram risada (solidária, não irônica), e pareceu correr pela sala uma onda de alívio: o problema não era a dor secreta de cada um, mas aflição geral. Minha resposta não foi nada sofisticada. Saltou espontânea de trás de tudo que li sobre educação e psicologia: "PORQUE A GENTE DEIXA".
E a gente deixa porque talvez uma generalizada troca de papéis nos confunda. Por exemplo, a que ocorre entre público e privado. Vivemos uma ânsia de expor o que pensamos sobre os outros, achando que nos resguardamos da opinião alheia. No entanto, essa é uma forma de botar a cara na janela, tornar-se cabide dos fantasmas alheios - uma verdade mais contundente do que imaginam os que nunca as debruçaram em nenhum parapeito. (...)

FILHOS MALCRIADOS E AGRESSIVOS... O PROBLEMA DA AUTORIDADE EM CRISE NÃO É DO VIZINHO, NÃO ACONTECE NO EXTERIOR, NÃO É CONFORTAVELMENTE LONGÍNQUO. É NOSSO. Parece que criamos um bando de angustiados, mais do que seria natural. Sim, natural, pois sobretudo na juventude, plena de incertezas e objeto de pressão de toda sorte, uma boa dose de angústia é do jogo e faz bem.

Mas quando isso nos desestabiliza, a nós adultos, e nos isola desses de quem estamos ainda cuidando, a quem devemos atenção e carinho, braço e abraço, é porque, atordoados pelo excesso de psicologismo barato, talvez tenhamos desaprendido a dizer não. Nem distinguimos quando se devia dizer sim. Estamos tão desorientados quanto esses que têm vinte, trinta anos menos do que nós. Assim é instalada a inversão, e esta pode ser bem dolorosa.

Muitas vezes crianças são excessivamente malcriadas e adolescentes agressivos demais porque têm medo. Ser insolente, testar a autoridade adulta, quebrar a cara e bater o pé, tudo isso faz parte do crescimento, da busca saudável de um lugar no mundo. Mas não ter limites é assustador. Ser superprotegido fragiliza. O mundo é informe quando se está começando a caminhar por ele: QUEM PODERIA SUGERIR FORMAS, APONTAR CAMINHOS, DISCUTIR QUESTÕES, ESCUTAR E DIALOGAR ESTÁ TÃO INSEGURO QUANTO OS QUE MAL ACABARAM DE NASCER.

Teorias mal explicadas, mal digeridas e mais mal aplicadas geraram o MEDO DE MAGOAR, DE AFASTAR, DE "PERDER" O FILHO. A fuga da responsabilidade, o receio de desagradar (todos temos de ser bonzinhos) aliam-se ao conformismo, o "hoje em dia é assim mesmo". NINGUÉM MAIS QUER SER RESPONSÁVEL: É CANSATIVO, É TEDIOSO, DÁ TRABALHO, CAUSA INSÔNIA. Queremos ser amiguinhos, mas os filhos precisam de pais. E, intuindo nossa aflição, esperneiam, agridem, se agridem - talvez por não confiarem o suficiente em nós.
Ter um filho é, necessariamente, ser responsável. Ensinar numa escola é ser responsável. Estar vivo, enfim, é uma grave responsabilidade.
Não basta tentar salvar a própria pele nessa guerrilha social, econômica, ética e concreta em que estamos metidos. Trata-se de ter ao menos um pequeno facho de confiança, generosidade e experiência, e colocá-lo nas mãos das crianças e dos jovens que, queiram eles ou não, se voltam para nós - antes de se voltarem contra nós.